[Traducción al español en la parte inferior] [English translation at the bottom]
Quando eu era criança, ouvi uma piada do Casseta e Planeta que dizia que um dos sinais infalíveis pra saber se o cara era gay era ver se ele assistia Hebe. Eu ri, mas não entendi. Afinal, o que podia ter de gay numa apresentadora loira poderosíssima com vestido longo entrevistando celebridades num sofá? Mal sabia eu que, a centenas de quilômetros daquela cidade do interior de Minas onde eu assistia Hebe às segundas, e o Casseta às terças, outra apresentadora loira poderosíssima com vestido longo se inspirava em Hebe para criar seu próprio programa de entrevistas com celebridades num sofá. Era a Miss Biá, transformista lendária e estilista estrelada que trocava ideia com gente do naipe de Nair Bello e Claudia Raia no palco da boate Nostro Mondo.
Em 2023, nosso mundo é outro. No palco de um bar na Barra Funda, em São Paulo, uma apresentadora que, embora poderosíssima, não é loira, e nem sempre está de vestido longo, entrevista celebridades num sofá. O Sofá da Dita fez parte da programação da Porta de Boate, que ocupou o Bananal entre os dias 8/6 e 1/7 com recortes de revistas, vídeos, relatos e performances artísticas.
E que performances. Quem foi, teve oportunidade de ver de perto grandes artistas drag do passado e do futuro. Teve Thália Bombinha e Victoria Principal, duas das comediantes caricatas mais importantes da história drag brasileira. Teve Gretta Starr e Marcinha do Corintho, duas travestis com carreira internacional que mostram que finesse não envelhece. E teve o impacto profundo de Hinácio King, Júpiter e Ginger Moon, além da própria Dita Absinthe, artistas que questionam os limites da arte drag e trazem um frescor muito bem-vindo pra mistura maravilhosa que é o mundinho queer brasileiro. Até meu eu criança lá em 1997 ouviu de longe o tabu sendo quebrado no futuro.
A Porta de Boate foi fruto de uma pesquisa coletiva que entende as boates como importantes espaços de sociabilidade, produção artística e ativismo pras LGBT+ e que as memórias em torno desses espaços são uma parte pouco contada da nossa história. As divas e divos que inspiram a montação, as perucas e vestidos que transformam, os bafões que acontecem por trás das cortinas, a maneira como a sociedade enxergou as transformistas e como foi enxergada por elas ao longo do tempo - isso tudo é memória. A tal herstory que RuPaul tanto repete.
Falando nela, ninguém vai negar a importância de RuPaul's Drag Race na cultura pop. Mas eu, que acompanhei todas as 47 temporadas do programa e já vi um monte de garotas Ru ao vivo, digo com tranquilidade que o que a gente tem aqui no Brasil é diferente. Ouvir Thália contar um babado de camarim envolvendo artistas que já não estão mais entre nós, ou presenciar Hinácio King tirando uma cacatua azul de crochê pra fora da cueca vale muito mais do que ganhar um ano de produtos Anastasia Beverly Hills. Não tem nada mais precioso que ver Ginger Moon satirizar a cena drag vestida de Dora Exploradora e testemunhar Gretta Sttar dizendo como encontrou sua música preferida numa loja de discos do Japão. Quando Marcinha do Corintho conta sobre a vivência travesti na época da ditadura, ela fala muito de você e de mim e do sofrido caminho que nossas comunidades percorreram até a gente poder sair de unha pintada na rua. É nossa história contada (e sendo escrita) bem na nossa frente.
E essa história é toda complexa e cheia de contradições, porque é formada de pessoas e as pessoas erram de vez em quando. Hebe e Miss Biá erraram (pouco). Bussunda errou (bastante). Você deve errar também. Mas Dita, quando evocou nas noites do Bananal a referência da referência da referência, acertou demais. Repertório é tudo, né? Se eu fosse você, ficava ligada pra saber quando vai rolar a próxima edição do Sofá da Dita. Vai que ela aparece loira e completa a fantasia de todas as crianças viadas dos anos 1990.
*Otavio Oliveira é jornalista, escritor e roteirista. Nasceu no interior de Minas, hoje mora em São Paulo (mas a que custo?). É obcecado por artistas de peruca e provavelmente está online em alguma rede social nesse exato momento.
Look how accessible she is!: legendary drags make history in São Paulo
When I was a child, I heard a joke on Casseta e Planeta (a comedy television program) which stated that one of the clear signs to define whether a man was gay or not was to know if he regularly watched Hebe Carmargo’s television show. I laughed, but I didn't fully understand it at that time. Well, what could an powerful blonde hostess in a long dress interviewing celebrities on a sofa have to do with gays? I didn't know, but hundreds of kilometers away from the city I lived, in the interior of Minas Gerais, and where I watched Hebe on Mondays and Casseta on Tuesdays, another very powerful blonde presenter in a long dress was inspired by Hebe to create her own celebrity talk show on a couch. It was Miss Biá, a legendary drag queen and star stylist, who would interview important artists such as Nair Bello and Claudia Raia, on the stage of Nostro Mondo, a popular gay and transformista nightclub of Sao Paulo.
In 2023, our world is very different. On the stage of a bar in Barra Funda, a neighborhood in the city of São Paulo, a presenter who although very powerful, is not blonde and does not always wear a long dress, interviews celebrities on a sofa. Sofá da Dita was part of the Porta de Boate program, which occupied Bananal, an artistic space between June 8th and July 1st, through an assemblage of magazine clippings, videos, reports and artistic performances.
And what performances! Audience had the opportunity to see great drag performers of the past and future up close. There were Thália Bombinha and Victoria Principal, two of the most important comedians in the history of Brazilian drag. Gretta Sttar and Marcinha do Corintho were also there, two travestis with international careers who show that delicacy and does not go out of style. Not counting the profound impact of Hinácio King, Júpiter and Ginger Moon, as well as Dita Absinthe herself, artists who question the limits of drag art and bring a welcome freshness to the wonderful mix that is the Brazilian queer world. Even my childhood self in 1997 heard from far that the taboo would be broken in the future.
Porta de Boate was the result of a collective investigation that politically assumed nightclubs as important spaces for sociability, artistic production and LGBT+ activism and that the memories that surround these spaces are little recognized as part of our history. The divas and divos that inspired the production, the wigs and dresses that transformed people, the gossip that stayed behind the curtains, the way in which society saw travestis and how it was seen by them throughout time… all of this is memory. The “herstory” that RuPaul repeats so much.
Of course, no one could deny the importance of RuPaul's Drag Race in pop culture. But I, who have seen all 47 seasons of the show, and many Ru girls live, can certainly say that what we have here in Brazil is way different. Listening to Thalía gossip about living backstage with artists who are no longer around, or witnessing Hinácio King removing a crocheted blue cockatoo from his underwear, is worth much more than winning a year's worth of Anastasia Beverly Hills products. There's nothing more precious than watching Ginger Moon satirize the drag scene dressed as Dora the Explorer. Or Gretta Sttar telling us how she found her favorite song in a record store in Japan. Or when Marcinha do Corintho recalls the travesti experience during the dictatorship, talking a lot about you and me and the painful path our communities took until we could go out on the streets with our painted nails. It's our story being told (and being written) right in front of us.
For sure this story is complex and full of contradictions, as it is made of people – and people make mistakes from time to time. Hebe and Miss Biá got it (a little) wrong. Bussunda made a mistake (a lot). You must be wrong too. But Dita was so right when she evoked the reference of the reference in the Bananal nights. Repertoire is everything, isn't it? If I were you, I would be attentive to find out when and where the next edition of Sofá da Dita will take place. Imagine if she took the stage in a blonde wig and fulfilled every 90's gay kids' fantasy.
*Otavio Oliveira is a journalist, writer and screenwriter. Born in the interior of Minas Gerais, today he lives in São Paulo (but at what cost?). He is obsessed with artists in wigs and is probably online on social media right now.
Qué copada es!: drags legendarias hacen historia en São Paulo
Cuando era niño, escuché un chiste de Casseta e Planeta que decía que una de las señales infalibles para saber si un hombre era gay era ver si miraba a Hebe. Me reí, pero no entendí. Pues, ¿qué podría tener que ver con los gays una presentadora rubia muy poderosa con un vestido largo entrevistando a celebridades en un sofá? No sabía que, a cientos de kilómetros de la ciudad del interior de Minas Gerais donde veía Hebe los lunes y Casseta los martes, otra presentadora rubia muy poderosa con un vestido largo se inspiró en Hebe para crear su propio programa de entrevistas a celebridades en un sofá. Fue Miss Biá, legendaria transformista y estilista estrella, que charló con artistas como Nair Bello y Claudia Raia sobre el escenario de la discoteca Nostro Mondo.
En 2023, el mundo está distinto. En el escenario de un bar en Barra Funda, en São Paulo, una presentadora que, aunque muy poderosa, no es rubia y ni siempre usa vestido largo, entrevista a celebridades en un sofá. Sofá da Dita formó parte del programa Porta de Boate, que ocupó el espacio artístico Bananal entre el 8/6 y el 1/7, con recortes de revistas, videos, reportajes y performances artísticas.
Y qué performances. El público tuvo la oportunidad de ver de cerca a grandes artistas drag del pasado y del futuro. Estuvieron allí Thália Bombinha y Victoria Principal, dos de las comediantes más importantes de la historia del drag brasileño. Además de Gretta Sttar y Marcinha do Corintho, dos travestis con carreras internacionales que demuestran que la delicadeza no pasa de moda. Sin contar el impacto profundo de Hinácio King, Júpiter y Ginger Moon, además de la propia Dita Absinthe, artistas que cuestionan los límites del arte drag y aportan una bienvenida frescura a la maravillosa mezcla que es el mundo queer brasileño. Incluso mi yo infantil en 1997 escuchó desde lejos que el tabú se rompería en el futuro.
Porta de Boate fue el resultado de una investigación colectiva que entiende las discotecas como importantes espacios de sociabilidad, producción artística y activismo LGBT+ y que las memorias que rodean a estos espacios son poco reconocidas como parte de nuestra historia. Las divas y divos que inspiraron el montaje, las pelucas y vestidos que transformaron a las personas, los chismes que se quedaron detrás de las cortinas, la forma en que la sociedad vio a las travestis y cómo fue vista por ellas a lo largo del tiempo, todo esto es memoria. La “herstory” que tanto repite RuPaul.
Hablando de eso, nadie negará la importancia de RuPaul's Drag Race en la cultura pop. Pero yo, que he visto las 47 temporadas del programa, y a muchas chicas Ru en vivo, puedo decir con seguridad que lo que tenemos aquí en Brasil es diferente. Escuchar a Thalía contar chismes de la convivencia en el backstage con artistas que ya no están, o presenciar a Hinácio King sacando de su ropa interior una cacatúa azul de ganchillo, vale mucho más que ganar un año de productos de Anastasia Beverly Hills. No hay nada más precioso que ver a Ginger Moon satirizar la escena drag vestida como Dora la Exploradora. Ó Gretta Sttar decir cómo encontró su canción favorita en una tienda de discos en Japón. Cuando Marcinha do Corintho cuenta la experiencia travesti durante la dictadura, habla mucho de ti y de mí y del camino doloroso que nuestras comunidades tomaron hasta que pudiéramos salir a la calle con las uñas pintadas. Es nuestra historia contada (y siendo escrita) justo frente a nosotros.
Y esta historia es toda compleja y llena de contradicciones, porque está hecha de personas y las personas cometen errores de vez en cuando. Hebe y Miss Biá se equivocaron (un poco). Bussunda cometió un error (mucho). Usted debe estar equivocado también. Pero Dita, cuando evocó la referencia de la referencia de la referencia en las noches del Bananal, fue muy acertada. El repertorio lo es todo, ¿no? Si yo fuera usted, estaría atento para saber cuándo se realizará la próxima edición de Sofá da Dita. Imáginate si ella sube al escenario de peluca rubia y completa la fantasía de todos los niños maricones de los ‘90.